Paulo Marcos

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Segundo episódio: Anísio Teixeira, o revolucionário da educação

ARTE EBC

Anísio Teixeira nasceu em uma família de grande influência na vida pública do município de Caetité (BA). Seu pai, Deocleciano Pires Teixeira, atuou como médico, líder político e fazendeiro na região sertaneja. A mãe, Anna de Souza Spínola, também vinha de uma tradição oligárquica, com presença marcante nos rumos sociais da cidade, localizada a 645 km de Salvador.

Na terra natal, o menino estudou no Instituto São Luiz Gonzaga e, na capital soteropolitana, frequentou o Colégio Antônio Vieira. Ambos de origem jesuíta. Por ironia do destino, as ideias futuras do pedagogo entrariam em choque, como vimos no primeiro episódio, com as concepções da Igreja Católica.

Inegavelmente, o filho de aristocratas baianos recebeu uma educação muito superior à média das crianças brasileiras do seu tempo. Nas primeiras décadas do século XX, o sanitarista Carlos Chagas, após conhecer os rincões do Brasil, informou à fidalguia carioca, encantada com a Belle Époque, que havia um país enfermo e desnutrido. Na então capital federal, o insigne pesquisador foi acusado de ser antinacionalista. Outro expoente da cultura nossa – a deletar a pobreza escondida – foi Euclides da Cunha em “Os Sertões”.

Mesmo diante do conforto material e das oportunidades que o levaram, ainda muito jovem, ao bacharelado em Direito, Anísio não quis repetir o caminho familiar. Poderia perfeitamente usufruir do prestígio que o sobrenome lhe conferia, mas optou pela singularidade das escolhas. Na aridez do Nordeste, tão afeito ao coronelato, Caetité deu à pátria um emérito professor.

O educandário de tempo integral, idealizado por Anísio, era flor das mais belas no clima inóspito que se deflagra quando a escola, por excelência, ameaça chegar ao maior país da América Latina.

Que lugar seria esse, capaz de oferecer uma educação de escol e de revolucionar o destino da criançada que vive desassistida, entre os perigos da urbanidade e o desalento no campo?

Na visão de Anísio, não se trata de uma instituição desenvolvida para ser parte da vida, mas, sim, de uma escola que é a própria vida no sentido mais amplo e profundo, pois reúne os fragmentos da existência a fim de trabalhá-los com vistas a desenvolver o ser humano em suas potencialidades físicas, cognitivas, emocionais, sociológicas e políticas. Essas nobres intenções deixam claro que não basta aumentar o número de horas que a meninada passa dentro de um espaço definido. É preciso qualificar o tempo. Fazer surgir diante dos olhos infantis a arte, a leitura, as brincadeiras, as atividades ao ar livre, as oficinas, o contato com a terra, o ócio criativo, o lugar para a soneca, a alimentação balanceada e o ensino da solidariedade, que magnetiza os indivíduos em torno da cidadania e das relações fundamentais: consigo e com o outro, sem jamais esquecer a natureza.

Utopia?

Os porta-vozes do mercado financeiro costumam dizer que sim. Só que tem um detalhe: raciocinam desse modo quando a transformação é proposta no contexto neolatino. Na América Anglo-Saxônica e no continente europeu, acham um requinte civilizatório, a crème de la crème.

A escola de tempo completo é a única em condições de suprir as carências da criança pobre, como dizia Darcy Ribeiro, o notável discípulo de Anísio. O menino das periferias geralmente não tem quem o ajude a resolver as lições de casa. Não porque os pais sejam, na maioria das vezes, desinteressados. Tal olhar é reducionista. Muitos genitores passaram ao largo da cultura letrada. Foram alijados até mesmo das séries iniciais que ensinam a ler, escrever e contar. Soma-se a isso a importância de dar aos responsáveis a tranquilidade de saber que, no horário de trabalho, seus filhos estarão protegidos e bem cuidados. Sob o amparo, inclusive, da medicina.

Quem iria se beneficiar imediatamente do modelo das escolas-parques?

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem algo a dizer:

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), 1,607 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam submetidos ao trabalho infantil em 2023.

A perspectiva humanista pode não convencer os recalcitrantes da ideia e, quando menos se espera, o velho argumento do liberalismo econômico aparece em tom professoral: “o investimento é alto demais, inviável”.

Outros, mais enfáticos, avançam com rótulos superlativos: “caríssimo!”.

De verdade, eis o que custa muito caro:

O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) informa que, no último exame realizado em 2022, os alunos brasileiros ficaram em 52º, 62º e 65º no ranking de leitura, ciências e matemática, respectivamente. A lista é formada por 81 membros: 78 países e três entidades chinesas (Macau, Hong Kong e Taiwan).

Cenários como esse são radiográficos. Revelam onde nasce a defasagem tecnológica que enfraquece o país nos acordos de livre-comércio. Os donos das inovações sempre dão a última palavra.

Teria sido mais fácil para o educador supracitado adotar a postura de muitos intelectuais. Dá menos trabalho dizer que o céu é azul e as matas, esverdeadas. O mestre, entretanto, não quis. Seguiu fiel à causa que abraçou.

Brasil Cultural apresenta o segundo episódio de Anísio Teixeira, o revolucionário da educação.

 

Fonte: radiogov – Ricardo Walter