
“Eduquem as crianças e não será preciso castigar os homens” – Pitágoras, filósofo e matemático grego. Estima-se que tenha vivido no século VI a.C.
Como podemos ver, a ideia de educar as crianças não é nova. Entre os cidadãos da Antiguidade, o pai do mais famoso teorema geométrico da história – a² + b² = c² – já vislumbrava algo que é, ao mesmo tempo, refinado e simples. A sofisticação está no conceito que vai à essência da natureza humana, e a singeleza se encontra na solução óbvia, escancarada, para os problemas de qualquer civilização, independentemente da época, porque não se trata de um aplicativo circunstancial; pelo contrário, é princípio norteador, fundamento de toda sociedade que se pretenda saudável.
Não parece evidente que uma criança bem nutrida, cercada de bons professores e com acesso à arte ficará mais longe da violência que campeia nas grandes metrópoles dos nossos dias?
No Brasil, a pergunta traz o cansaço de séculos, arrasta-se – bem o sei – à maneira de uma esperança não realizada, distante, fantasiosa. Mas há certas ideias que precisam ser propaladas quantas vezes forem necessárias, pois, ao esquecê-las, resta apenas a dureza da realidade que fere e desconsola.
Segundo o Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes, o país registrou o assassinato de 15.101 crianças e adolescentes entre 2021 e 2023. O número representa uma média de quase 420 homicídios intencionais a cada 30 dias, nos 36 meses computados.
A pesquisa revela que estamos construindo uma sociedade em cima de cadáveres. Nessa conta mensurável, sob o crivo das estatísticas, entram parâmetros absolutamente imponderáveis, como a dor do luto que destroça famílias e alimenta a sanha do ódio e do revide.
“A impunidade é o maior dos problemas”, dizem os que clamam pela justiça ou devotam-se em defesas veementes dos tribunais de exceção.
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta, com mais de 850 mil indivíduos privados de liberdade. Mesmo assim, as comunidades pobres vivem em luto.
Por outro lado, se a repressão policial fosse o caminho a seguir, o Brasil seria uma nação pacífica. O 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública indica que, a cada dez assassinatos registrados na cidade de São Paulo, quatro foram cometidos por policiais militares ou civis em 2024.
Desde a Coroa portuguesa, a estratégia é sempre a mesma: reprimir até a última gota de sangue. O Império massacrava os revoltosos que não aceitavam ser escravos de ninguém, como fez nas revoltas de Carrancas, em Minas Gerais, e dos Malês, na Bahia. Há um modus operandi consagrado pelo tempo.
Certo italiano, chamado Leonardo da Vinci, afirmou categoricamente que “a simplicidade é o último grau da sofisticação”. Talvez seja por isso que a escola pública, gratuita, universal e laica não domine as redes sociais e os debates políticos. As amenidades ainda prevalecem. Daí se faz tão necessário colocar, no cerne das discussões, figuras como Anísio Teixeira – que enxergou toda a rede que interliga as diferentes etapas de um sistema educacional.
Nos programas anteriores, foi abordado o tema das escolas de tempo integral. Para fechar a série, trazemos à baila o centro de ensino superior que o pedagogo criou ao lado de outros intelectuais. Com plano urbanístico de Lúcio Costa e projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, Anísio entregou ao povo brasileiro a Universidade de Brasília (UnB). Em 21 de abril de 1962, nascia o sonho de um núcleo de estudos e pesquisas capaz de dar ao país o domínio da ciência e da técnica para retirá-lo da periferia do sistema capitalista, posição que lhe impõe a timidez dos avanços reflexos; ou seja, o primeiro mundo inventa as máquinas e nos faz meros consumidores, a léguas da complexidade industrial que nasce no preparo da criança e se solidifica no labor, altamente capacitado, do adulto.
O projeto vanguardista durou pouco. Em 1964, abriram uma fenda no seu organismo. Extirparam o sentido de unidade que nele havia. A UnB primordial não teve tempo hábil para conectar o Brasil em torno do saber e da busca pela melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Um exemplo simples: enquanto as grandes potências transportam seus trabalhadores em trens de alta velocidade, o brasileiro ainda convive com engarrafamentos quilométricos.
A educação, no entanto, não serve apenas para fazer um veículo transitar por levitação magnética e romper distâncias com energia prodigiosa. Além das finalidades práticas, ela atua no campo da ética que, na visão de Sócrates (470 – 399 a.C.), é a capacidade que o ser adquire de converter conhecimento em virtudes.
Virtudes essas que, se levadas a efeito, jamais permitiriam a contenção de gastos, para objetivos do lucro, em atividades que envolvem a vida do homem. Dentro desse prisma, o Brasil não teria passado pelo maior desastre ambiental de sua história. O Rio Doce estaria vivo, os pescadores não ficariam sem sustento, os ribeirinhos não morreriam após o contato com metais pesados e os indígenas ainda teriam o Watu – seu rio sagrado. Para tanto, bastaria que o alto escalão da Samarco não economizasse no material que sustentava a barragem de contenção dos rejeitos químicos provenientes da atividade mineradora.
A educação abre a mente. Eleva as pessoas acima do noticiário comum e revela que as ilhas pretensamente isoladas, quando vistas de cima, formam arquipélagos de conexão.
Sem outro intuito, o Brasil Cultural exibe o terceiro e último episódio sobre a vida de Anísio Teixeira.
Fonte: Ricardo Walter / radiogov